Talvez eu seja uma sonhadora irrecuperável ou se sonhar com utopias é o que salva o resto de esperança. Num mundo em mudanças aceleradas percebo que valores essenciais estão sumindo. Não sei como desfazer-me de valores que guiaram minhas caminhadas pela vida afora. Vivemos uma época conturbada e, mesmo que não goste das
teorias da conspiração, tenho que admitir que talvez eu esteja absorvendo um
estilo de vida que só favorece interesses de grupos que criam dificuldades para
vender facilidades. A propaganda convence os “consumidores” (é isto que somos)
de que cada indivíduo de uma família deve ter sua própria TV, seu computador,
seu carro, seu espaço absolutamente individualizado – “separar para governar”. Os
entretenimentos de TV ou as redes sociais são rigorosamente programados segundo
os princípios do “condicionamento operante”: bons comportamentos recebem
recompensa e geram outros comportamentos semelhantes. Repete-se o comportamento
desejado.
Enquanto estamos cada vez mais presos aos reforços da rede e da
mídia, o mundo, a nossa casa, transforma-se num lugar insalubre. Violência, destruição
da natureza, corrupção solta – e não está concentrada no Brasil, como muitos
parecem acreditar – guerras estúpidas, tudo estimulando intensivamente um
gigante da alma humana, o medo, este sentimento que nos oprime e nos mantém trancafiados em casa ou perambulando nos
shoppingcenters (já em vias de desaparecerem, engolidos pela mudanças das formas de comercialização). Poucos se atrevem a protestar e quando o fazem, nem sempre entendem muito
bem sobre o que estão protestando. Quando acontece de multidões saírem às ruas,
como no caso dos acontecimentos de massa que têm ocorrido pelo Brasil inteiro, os
cartazes deixam claro que são diferentes motivos que movem aquelas pessoas e,
infelizmente, um deles é o ódio, outro gigante da alma, segundo Mira y Lopes. Criam-se manifestações perigosas porque levam em seu bojo a semente da separação.
A cidade linda, onde cresci vendo
o sol entardecer sobre um sem fim de águas; onde eu podia sair a qualquer hora
do dia, ou mesmo da noite, sem medo, hoje está tomada pela violência urbana -
depois de ter sido considerada como a capital com melhor qualidade de vida do
país. Meu Brasil, o país do futuro, parece que não terá futuro algum, tal o
nível de descontrole em que se encontra. Nem vou entrar em considerações
políticas, até porque, o poder político, hoje não passa da sombra de
outro poder – o poder do dinheiro, ou melhor, de quem possui o dinheiro.
Enquanto isto, cada vez mais pessoas
se escondem por detrás de seu notebook, sua TV, do ipad, iphone e de seus aiaiais,
oferecendo-se como alvo de um bombardeio de estímulos ao medo. revolta, sensação de impotência diante de fatos que só conhecemos por imagens, mas
não temos certeza do grau de verdade que sustenta cada um. Sinto-me como um rato
preso na ratoeira. Se vou sair, é perigoso de ônibus porque pode acontecer um
arrastão; é perigoso de lotação porque estão assaltando; é perigoso de táxi
porque tem taxista grosseiro ou, pior, assediando as passageiras. Sair de carro
nem pensar; todo dia tem carros roubados. Mas ainda assim eu decido ser ousada
e vou pra rua. É um risco, tão sério quanto o de ficar em casa esperando a
depressão chegar. Não fui feita para o isolamento e não é medo da solidão.
Mesmo vivendo sozinha, não sofro de solidão, até porque já consegui me dar bem comigo
mesma. Gosto de estar com amigos, gosto de conversar olhando para as
pessoas, sem watsapp, sem um aparelho qualquer. Ainda temos esta opção e, inegavelmente, a tecnologia tem grandes méritos, mas precisamos reaprender a arte do encontro.
Enquanto penso nessas coisas, o smarthfone insiste em sinalizar mensagens, as chuvas de agosto lembram que ainda é inverno. Hora de não pensar nas mudanças
climáticas e outros desastres que têm atormentado o mundo inteiro. Melhor dormir e sonhar com um
outro mundo que talvez seja utopia. Mas não é a utopia que nos empurra pra
frente?
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