Como
vejo o desenho
Jane
M. Godoy B.
“A diferença entre ver e olhar é tanto uma distinção semântica, que se torna importante em
nossos sofisticados jogos de linguagem, tomados da tarefa de compreender a
condição humana – e, nela, especialmente as artes -, quanto um lugar comum de nossa
experiência.
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Mas se as artes nos
ensinam a ver – olhar é porque nos possibilitam camuflagens o ocultamentos. Só
podemos ver quando aprendemos que
algo não está à mostra e podemos sabê-lo. Portanto para ver – olhar é preciso pensar.
Ver está implicado no sentido físico
da visão. Costumamos, todavia, usar a expressão olhar para afirmar uma outra complexidade do ver... Ver é reto, olhar é sinuoso. Ver é sintético, olhar é
analítico. Ver é imediato, olhar é mediato. A imediaticidade do ver
torna-o um evento objetivo. Vê-se um fantasma, mas não se olha um fantasma.
Vemos televisão, enquanto olhamos uma paisagem, uma pintura. A lentidão é do
olhar, a rapidez é própria do ver... Ver e olhar se complementam, são dois
movimentos do mesmo gesto, que envolve sensibilidade e atenção.” Márcia Tiburi,
http://www.marciatiburi.com.br
Vivemos um tempo assolado por imagens
de todo tipo: televisão, revistas, fotografias digitais penetraram no mundo
individual com uma força extraordinária. Mas se, por um lado, representam
informação sobre temas que não estariam ao nosso alcance de outra forma, por
outro, nos dão uma visão filtrada do mundo real. Somos assediados por imagens
de lugares, pessoas e objetos que foram, de alguma forma ou/e de algum ponto de
vista, selecionados por alguém. A invenção das máquinas digitais e sua posterior
anexação aos telefones celulares, não apenas reduziram a quase nada a custo de
fotografar, mas permitiram um volume de fotos e fotógrafos nunca visto antes. Com
esta facilidade, todos parecem se sentir à vontade para registrar imagens e
compartilhar com todos. Mas será que realmente olham para o mundo real? Será
que os que se deparam com essas imagens conseguem realmente olhar para além do
que foi registrado?
Acredito que há uma profunda
diferença entre ver um céu bordado de nuvens e olhar para este mesmo céu
colocando neste olhar aquela sensibilidade que permite ir além da cor ou da
presença de nuvens. A mesma diferença que há entre ver um cristal e olhar para
dentro de cada uma de suas faces sentindo sua história milenar.
Esta atitude de apenas ver não é
possível para um desenhista. No desenho, precisamos ver além do objeto. Quando
alguém diz “eu não sei desenhar”, é o mesmo que dizer, eu não sei olhar e,
geralmente, não é inteiramente verdade. Ao aprendermos a escrever, estamos
aprendendo a desenhar as letras. Cada curva ou reta de uma letra, cada
intervalo entre palavras, faz parte de um desenho que será lido por outros que
conhecem o mesmo código. Então, todo aquele que sabe escrever sabe o que é
desenhar. O que falta? Falta aprender a ver
- olhar o mundo ao redor. A ferramenta essencial já está estabelecida, o
resto é exercício. O desenho básico é o desenvolvimento dessa ferramenta que
envolve a mão, o instrumento de desenho que pode ser lápis, caneta, pincel, todos
os tipos de pastel, carvão e o que a imaginação inventar inclusive um tablet, mas, acima de tudo,
envolve o olhar.
Por isto o desenho é uma ferramenta
que registra não só a realidade, como a vemos, vai muito além dela. Quando
desenvolvemos o olhar através do desenho passamos a compreender com mais
profundidade o mundo, suas imagens e as relações entre elas. Desenvolvemos
nossas capacidades de perceber além do que vemos – intuição -, de admirar-nos
com a grandiosidade do universo – humildade – e de admirar os mistérios que intuímos,
mas não podemos dominar - respeito. Desenhar não nos transforma e super-qualquer
coisa, nem é o único recurso, nem o mais importante nessa tarefa de viver
profundamente os mistérios da vida, mas é um dos caminhos mais gratificantes
que está ao alcance de todos.
Jane Maria Godoy B.
O DESENHO tem sido a principal
atividade do Artificis Atelier, desde seus primeiros momentos. Nestes 26 anos
de atividades, permaneceu como um porto seguro onde ancoram atividades como
desenho sobre superfícies tridimensionais, livros de artista, origamis e reciclagem. Obrigada por fazer parte dessa história.
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