"Não tenho um caminho novo, o que tenho de novo é o jeito de andar"
T. de Mello.
Depois de vários dias de espera e muita troca de e.mails, finalmente recebo um livro muito especial. Trata-se de "Visões Secretas" de David Douglas Duncan que, com sua sensibilidade de fotógrafo atento, mostra-nos o belíssimo trabalho artístico de quatro artistas amadores. Sem estarem enquadrados em tendências ou estilos artísticos, esses artistas dedicam-se as suas expressões particulares por puro prazer estético. Entre eles, um chamou minha atenção especialmente, porque sua arte coincide com uma antiga curiosidade minha - os troncos das árvores. As palavras que cito abaixo são do Dr. Oscar Forel.
"...cada árvore parece falar do seu passado - galhos partidos, copas batidas pelo vento, marcadas por relâmpagos ou pedras soltas. A deformação do tronco, a direção para onde se voltam os ramos, o formato de suas pontas não são determinados pelo acaso: desenhos e matizes da casca, cicatrizes antiquíssimas, feridas que ainda vertem resinas testemunham as provações sofridas - um relato inconfundível para quem se detiver o bastante junto à uma árvore para decifrar sua mensagem sem palavras, onde há formas e cores: a lenda da floresta."
SINCROMIA
Sincromia; palavra grega composta por sin, o sol e por chroma, cor. Na busca de Oscar Forel pela sincromia da floresta, percorrendo caminhos e observando os fantásticos efeitos da luz e da sombra registrados nos troncos das árvores, encontrei uma identificação forte com minha própria história. Criança do interior, minha infância foi à sombra de árvores que, na época, pareciam gigantes, estendendo galhos, por entre os quais o sol desenhava sombras coloridas. Lembro de ficar durante horas, manhãs e tardes, explorando sombras, cores e alturas. Subia e descia, balançava pendurada num galho ou sentada no chão, onde espalhava tampinhas - minhas panelas de faz-de-conta, bonecas, folhas, bolinhos de barro, claro, e toda sorte de tralhas que servissem à minha imaginação de criança livre para criar seu próprio mundo. Bolinha de gude brilhando entre pontos de luz traziam o arco-íris para mim. Sabe aqueles bordados que o sol cria no chão quando fura a copa das árvores? Eram fadas brincando comigo, inquietas, mudando de forma e lugar a cada brisa, enchendo de mágica dança meus dias de infância.
Entre brincar de casinha, com minha amiga Helena, testar as leis da gravidade saltando de galho em galho, fugir dos galos de rinha do vizinho que insistiam em atravessar a cerca cheia de tentadoras falhas, as tardes - e a vida - passavam devagar. Por vezes, cansada das artes da infância, eu sentava quieta entre raízes, sentindo o cheiro da terra, ouvindo a brisa por entre as folhas a contar histórias, descobrindo bichos, monstros e formas nas manchas do tempo desenhadas no tronco ou contando carneirinhos que passavam lá em cima contra o céu azul. Então era possível voar.
Jamais perdi o gosto por estar sentada no chão. Com o tempo o que mudou foi apenas o modo de olhar. Vivências boas e ruins transformam o crescimento em amadurecimento. Sofisticam o olhar pra depois voltar a simplificá-lo. Perdi, conquistei, perdi outra vez e recuperei sentimentos e gostos, mas jamais abandonei a curiosidade que impulsionou meu andar e dirigiu meu olhar para essas sincromias da natureza.
O sol e as cores que sua luz revela em cada direção, transformaram-se, com o tempo, numa parte de mim. Registros da memória de infância tiveram o inestimável reforço da fotografia e do desenho, revelando uma arte abstrata nos recortes de cores e formas que fui registrando e muitas caminhadas. Uma arte que apenas está ali, parecendo dizer: "Olha, a gente está aqui!
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O tronco da bananeira de jardim |
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Não lembro de que árvore é este tronco. |
Líquens no lado sul |
A cara do monstro |
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